Disponível em: http://nic.br/noticia/na-midia/20-anos-da-internet-no-brasil-do-e-mail-ao-marco-civil/
Autor: Gustavo Sumares
Assunto: Evento
Maio de 2015 é considerado o mês em que
a internet no Brasil comemora 20 anos. Um dos motivos para isso é que,
no dia 31 deste mês, em 1995, foram publicadas portarias da Anatel que
permitiram o uso de meios da rede pública de telecomunicações para
acesso à internet e criaram o Conselho Gestor da Internet (CGI), órgão
multisetorial responsável pela coordenação e integração dos serviçoes de
rede no país.
Mas Demi Getschko, conselheiro do CGI desde
sua criação e um dos pioneiros da internet no Brasil, recorda que a rede
já era utilizada no país. Com a realização da conferência mundial sobre
meio ambiente ECO 92 no Brasil, ONGs já utilizavam a internet para se
comunicar e compartilhar informações e dados.
Início
Algumas universidades e empresas também
faziam uso, desde aquela época, desse recurso de telecomunicação,
basicamente para enviar e receber e-mails. Ainda não existiam os cabos
de fibra óptica que atualmente servem de espinha dorsal para a conexão
mundial. Naquela época, a ligação digital entre países era feita por
meio de cabos submarinos coaxiais, conta Getschko, semelhantes aos que
utilizamos para ligar nossas televisões.
Em dezembro de 1994, a Embratel abriu uma
chamada para que pessoas físicas que desejassem acessar a internet se
inscrevessem para ter acesso. Apenas no ano seguinte os contratos de
acesso seriam regulamentados para a forma como os conhecemos hoje, na
qual os usuários acessam a internet por meio de provedores, que vendem o
acesso que recebem das empresas de telecomunicação.
Expansão
Com o início da exploração comercial da
internet no Brasil, a rede começou a se expandir de maneira muito
rápida. Getschko observa que a Lei de Moore, que ditava o ritmo de
evolução dos processadores e que completou 50 anos recentemente, acabou valendo para a internet também.
Como os processadores praticamente duplicavam
de velocidade a cada 18 meses, a quantidade de informações com as quais
eles podiam trabalhar também dobrava. E esse aumento da velocidade,
aliado à expansão do número de usuários de internet, fez com que a web
crescesse de maneira vertiginosa, cada vez com mais textos, imagens e
funcionalidades.
Com isso, usuários passaram a exigir cada vez
mais largura de banda da internet, para poder receber e enviar cada vez
mais dados. Apenas por volta do ano 2000, com a chegada da internet de
“banda larga”, foi que a rede, os sites e os serviços digitais começaram
a se parecer mais com o que conhecemos atualmente.
Buscadores
Getschko também identifica um momento
anterior a esse que foi determinante no desenvolvimento da internet: o
surgimento dos buscadores. “Antes deles, a gente só ficava sabendo das
coisas porque a gente ouvia alguém falando”, conta.
Na época, circulavam pela rede listas de
endereços, que enumeravam uma série de sites interessantes sobre
diversos assuntos. O Yahoo!, por exemplo, começou como uma dessas
listas. Mas serviços como o Altavista, o Lycos e, mais tarde, o Google,
que vasculhavam a rede e indexavam novos sites que apareciam,
viabilizaram o uso que fazemos atualmente da internet.

Os buscadores auxiliam o crescimento da internet à medida que permitem que aquilo que é produzido por um usuário seja disponibilizado a todos os outros que busquem por aquele conteúdo, sem que seja necessário saber, de outra maneira, que ele existe. Tanto que, atualmente, quando uma pessoa sente que determinado conteúdo fere sua privacidade, pode solicitar ao Google que remova o site de seus resultados de busca.
O processo, diz Getschko, é como remover um
livro do diretório de uma biblioteca, mas não de suas estantes. “O livro
continua lá, mas como ninguém vai conseguir encontrá-lo, não faz muita
diferença”, diz.
Redes Sociais
Em 2004 apareceria o Orkut, e logo em seguida
o Facebook. Com a chegada das redes sociais, a internet foi se
tornando, cada vez mais, um espaço virtual de socialização. As
discussões agressivas e sem sentido por causa de detalhes, no entanto,
já existiam desde os tempos das listas de discussão, lembra Getschko.
A preocupação com o compartilhamento de
informações pessoais tem nesse momento um marco importante. Dados
íntimos sobre os usuários se tornaram disponíveis em enormes quantidades
pela rede. Com isso, começou-se a pensar no que seria necessário fazer
para proteger esse tipo de informação de pessoas com fins maliciosos ou
mesmo de empresas que veem nela uma valiosa mercadoria.
A facilidade de compartilhar informações,
opiniões, imagens e até vídeos representou um novo aumento na exigência
de banda da internet. A estrutura de fibra óptica já existente, porém,
felizmente estava à altura do desafio. Getschko conta que, melhorando-se
a interface da fibra, os cabos podem ter sua capacidade ampliada, e ele
acredita que ela ainda pode se tornar cerca de cem vezes maior antes de
precisar ser substituída. As preocupações com as novas tecnologias que devem vir em seguida, ao que parece, podem esperar mais alguns anos.
Neutralidade da rede
Ao longo da primeira década do século XXI,
questões como a pirataria nas redes e os crimes digitais trouxeram novas
discussões sobre o uso da internet. Alguns desdobramentos dessas
discussões deram origens a propostas de legislação como a SOPA (Stop
Online Piracy Act), que ameaçavam mudar radicalmente a internet,
proibindo o acesso de usuários a qualquer conteúdo registrado e
protegido por leis de propriedade intelectual.
Legislações como a SOPA, segundo Getschko,
têm o problema de “fechar a porta para os usuários” da internet, em vez
de responsabilizar os que hospedam e disponibilizam conteúdos
protegidos. “É como tentar proibir que os taxistas levem batedores de
carteira. O taxista faz o trabalho dele, e não tem como saber se o que o
passageiro fez”, opina.
Esse tipo de proposta punha em risco um dos
valores principais da internet, a neutralidade da rede. Esse conceito,
segundo Getschko, pode ser pensado como uma transferência total de poder
de decisão ao usuário: ele deve ter acesso total à rede, e se algum
site hospeda conteúdo que infringe leis de propriedade intelectual, é o
site que precisa ser alterado, não o acesso do usuário.
Essa foi uma das discussões que levou à
elaboração do Marco Civil da Internet, que regulamenta o uso, o
desenvolvimento e a comercialização da rede no Brasil. Os grandes
objetivos do Marco Civil, para Getschko, são o de preservar a internet
como um local “sem jardins murados”, proteger as informações pessoais
dos usuários e manter como um espaço de livre trânsito de ideias, cujos
rumos são decididos coletivamente pela comunidade.
Regulamentação
Atualmente, dois aspectos do Marco Civil
ainda aguardam definição mais precisa. Primeiramente, é necessário
determinar quando a neutralidade da rede pode ser quebrada. Em outras
palavras, em quais situações deve ser permitido impedir que determinado
endereço de IP seja impossibilitado de acessar determinado site.

Um exemplo de situação no qual esse tipo de atitude seria perfeitamente aceitável, segundo Getschko, é no caso de ataques de negação de serviço. Quando diversos IPs tentam acessar um site repetidamente com a finalidade de derrubá-lo por excesso de solicitações, não haveria problema em impedir que esses IPs consigam realizar sua finalidade maliciosa.
Outro aspecto que precisa ser melhor definido
sobre o Marco Civil é a questão do registro de acesso de aparelhos à
rede. A atual legislação determina que é necessário manter registro de
qual IP acessou qual site em qual horário. Alguns serviços e
aplicativos, porém, aproveitam essa determinação para armazenar muitos
outros dados sobre a atividade do usuário, algo que o Marco Civil, a
princípio, combate.
IPv6
Outro desafio enfrentado pela internet
atualmente é a mudança do padrão de endereços. Cada dispositivo que
acessa a rede ganha um IP, um número de identificação. Atualmente,
muitos dispositivos ainda funcionam no padrão IPv4. Esse padrão permite
um total de 4 bilhões de endereços diferentes.
No entanto, com a ampliação do número de
dispositivos conectados à internet e a popularização dos smartphones,
tablets e notebooks, esse padrão se tornou rapidamente insuficiente. É
possível contornar a ausência de novos IPs por meio da atribuição
temporária de IPs a dispositivos enquanto eles estão conectados.
A tendência de que o número de dispositivos
conectados à internet aumente ainda mais com a chamada “internet das
coisas” faz com que seja ainda mais necessária a atualização desse
padrão. Dispositivos mais novos já funcionam apenas com IPv6; outros,
mais antigos, ainda têm só IPv4.
As duas versões não são compatíveis, e o
ideal, segundo Getschko, é ter os dois, para se comunicar da melhor
forma possível. O processo pode ser comparado à substituição do sinal
analógico de TV aberta no Brasil pelo sinal digital, ou ainda, como
sugere Getschko, com a necessidade de se atualizar as tomadas dos
eletrodomésticos. “Você pode até usar adaptadores por um tempo, mas
chega uma hora que precisa trocar”, diz.
Desenvolvimento
Getschko acredita, porém, no poder da
internet de superar os desafios que aparecem. Ele lembra o período de
popularização da rede em 1995, quando muitos novos usuários começaram a
usar de maneira inusitada um espaço que antes pertencia a poucos, e o
começo das redes sociais, quando as pessoas ainda liam como verídica
qualquer história que chegava até elas, como períodos nos quais havia o
medo de que “algo fosse dar errado”.
No entanto, por meio de um amadurecimento das
discussões sobre a rede, e também graças ao amadurecimento da relação
dos usuários com a internet, os princípios fundamentais que ditam o
desenvolvimento da web puderam se manter firmes até hoje.
Um dos exemplos que ele cita desse
amadurecimento é a Wikipedia: algo criado por usuários comuns mas, mesmo
assim, confiável. “Alguém pode até tentar editar a Wikipédia e escrever
coisas erradas, mas os outros usuários protegem aquilo”, diz. “Com o
tempo, a internet vai se solidificando.”
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